De vítimas a vilões: o menosprezado impacto dos gatos domésticos sobre a fauna nativa
Palavras-chave:
Conservação da Natureza, Espécies Exótica-Invasoras, Gatos Ferais, Impactos Ambientais, Preservação AmbientalResumo
Espécies exóticas e invasoras podem causar grandes impactos negativos à biodiversidade, seja através da predação, da competição ou da transmissão de doenças para espécies nativas. O gato doméstico (Felis catus) é reconhecido mundialmente como uma dessas espécies altamente prejudiciais aos ecossistemas em que foi inserido, inclusive nos ambientes urbanos. Contudo, seu impacto é frequentemente subestimado em muitas sociedades e medidas de controle são usualmente negligenciadas pelos órgãos ambientais. Sabe-se que os gatos domésticos podem ser encontrados em praticamente todos os lugares onde ocorrem humanos, entretanto a magnitude do seu impacto em muitos sistemas permanece desconhecido. Um destes casos são as Unidades de Conservação (UCs) brasileiras, que são áreas naturais destinadas à proteção da diversidade biológica no território nacional. Dessa forma, nesta pesquisa avaliamos o potencial impacto do gato doméstico nas UCs, especificamente diagnosticando sua amplitude de ocorrência, quantificando sua abundância e detalhando suas interações com a fauna nativa. Para isso, elaboramos um formulário eletrônico em colaboração com Órgãos Estaduais de Meio Ambiente (OEMAs) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), destinado a gestores de UCs. Este formulário foi então submetido às equipes gestoras das 681 UCs federais e estaduais do Nordeste brasileiro. Obtivemos retorno de 2% (n=14) das UCs, das quais 71% (n=10) foram de Proteção Integral e 29% (n=4) de Uso Sustentável. A presença de gatos domésticos foi confirmada em 71% das UCs, com abundância de 19 ± 8,8 indivíduos. Na maioria das UCs (70%), os gatos ocorriam apenas nas proximidades das edificações ou nas vias de acesso, mas em 30% também foram detectados em áreas naturais. Registramos 17 eventos de predação da fauna nativa nas UCs, sendo 35% deles sobre lagartos e serpentes, 24% sobre aves e 24% sobre insetos. Além disso, em 40% das UCs foram evidenciados eventos de reprodução entre os gatos (se acasalando ou parindo) e em 10% das UCs também foram registrados gatos doentes. As respostas revelaram ainda que 50% das UCs não realizam qualquer medida de controle dos gatos e 21% delas sequer informam aos visitantes sobre os perigos das espécies exóticas-invasoras sobre à biodiversidade. Estes resultados demonstram que a ameaça dos gatos domésticos à biodiversidade nativa está sendo não apenas socialmente, mas também cientificamente menosprezada. Nossos achados revelaram que os impactos ambientais negativos causados por gatos domésticos não se limitam apenas ao ambiente urbano ou sinantrópico, mas ocorrem inclusive nos locais onde temos (ou deveríamos ter) a maior proteção à diversidade biológica no país. Concluímos na esperança que as informações reunidas por esta pesquisa: 1) sirvam de alerta para os órgãos ambientais intensificarem o monitoramento e controle de invasões biológicas nas UCs; 2) estimulem a comunidade acadêmica a direcionar esforços específicos de pesquisa sobre o manejo de gatos domésticos em todo o país; 3) sensibilizem a co-responsabilização da sociedade em geral (sobretudo os tutores e os auto-intitulados “protetores dos animais”) sobre o real impacto negativo dos gatos domésticos, que perseguem, mutilam, transmitem doenças e exterminam outros animais, em todo lugar e a todo momento.